1 de junho de 2008

Recursos humanos: um insulto

Na Revista Exame de 21/05/2008, foi publicada uma (curta) entrevista com um escritor australiano de quem eu jamais ouvira falar, Max Barry. Li a entrevista, e valeu a pena:

1 - Por que todos os executivos de seus livros têm um comportamento patético?
Provavelmente, nem todo executivo é patético, embora grande parte seja. Existe um tipo particular de personalidade que é atraído ao mundo corporativo — e não um tipo que eu chamaria de feliz e saudável. Estou falando de gente com capacidade de subserviência ao sistema e poder de anular a humanidade dos companheiros de trabalho acima da média.

2 - O mundo corporativo é pior hoje do que há 20 ou 30 anos?
Há poucas décadas, não era comum que o único objetivo de uma média ou grande empresa fosse o lucro máximo. Claro que empreendedores como Rockefeller e Ford lutavam para obter lucro, mas eles se preocupavam com os trabalhadores, suas famílias e o lugar de seu empreendimento na sociedade. Hoje, assim que uma companhia fica grande, o dono a entrega a financistas ou abre o capital para extrair lucro máximo ao mínimo custo.

3 - Essa não é uma visão muito romântica de antigamente?
Não é que as coisas fossem mais fáceis para os empregados — em geral, as condições de trabalho eram piores. A diferença mais interessante é que Ford e Rockefeller dirigiam corporações, enquanto hoje as corporações dirigem as pessoas.

4 - Que mudanças gostaria de ver no mundo dos negócios?
Sou um pouco pessimista em relação a isso. Para fazer uma mudança significativa na natureza das companhias, teríamos de deixar de colocar o lucro em primeiro lugar, e sinceramente não acredito que alguém esteja disposto a fazer isso. Pequenos negócios privados até poderiam fazer, mas não os grandes — não, se quiserem sobreviver.

5 - Por que os funcionários não têm o poder de realizar essas transformações?
Pessoas são um péssimo ativo. Elas são um risco, nem sempre fazem o que você manda, pedem demissão, ficam doentes, fazem ligações pessoais em horário de trabalho, reclamam... As companhias iriam preferir robôs que pudessem ser ligados de manhã, fizessem exatamente o que fossem mandados fazer e pudessem ser guardados num armazém à noite.

6 - Qual dos rituais do mundo corporativo o senhor considera mais absurdo?
Reorganizações. As companhias são viciadas nelas. Deixam todos estressados, destroem a produtividade por semanas ou meses e, em geral, terminam não dando o resultado esperado.

7 - Os departamentos de recursos humanos não deveriam estar mais atentos a essas questões?
Ninguém percebe que a expressão “recursos humanos” é um insulto? Tenho empatia com as pessoas que trabalham nesses departamentos. Não é fácil. Elas têm de moldar todos os funcionários dentro de um padrão determinado pela companhia para que possam ser programados para certas tarefas. Mas o nome que se dá a essa tarefa é terrível. Se os alienígenas viessem para a Terra e fizessem um cultivo de pessoas para colher nossos sucos essenciais, eles nos chamariam de “recursos humanos”.

O pior é que o cara está coberto de razão !
E na página da Exame que reproduz a entrevista impressa (aqui), o que me intrigou foram os comentários de leitores.

O comentário da leitora Simone de Almeida e Silva é pândego: "Com todo respeito ao Sr.Barry, encaro sua afirmativa de que as pessoas são um péssimo ativo como um insulto à sabedoria humana. A questão é q para se iniciar uma transformação exige sacrifício, renúncia, comprometimento, responsabilidade, o que a maioria das pessoas não estão disposta a fazer. O q falta são verdadeiros "líderes" q tenham a capacidade de induzir às pessoas a promoverem melhorias."
Ela queria discordar daquilo que o entrevistado afirmara, mas o argumento que ela usou, a despeito dos erros gramaticais, só reforçou aquilo que o Max Barry disse: se a maioria das pessoas não está disposta a fazer aquilo que é necessário para se iniciar uma transformação (ela lista sacrifício, renúncia, comprometimento etc), então a afirmação de que as pessoas são um péssimo ativo é corretíssima !

Na edição seguinte da revista, foi publicada uma carta de outro leitor, que afirma o seguinte: Com a experiência de consultor de empresas, não concordo com nenhuma palavra de Max Berry [sic], entrevistado na seção Sete Perguntas. Ao afirmar que as pessoas são um péssimo ativo para as empresas, Barry contradiz sem nenhum fundamento e contextualização os mais modernos pensamentos do mundo corporativo.
Não sei que tipo de "fundamento e contextualização" o leitor esperava numa entrevista composta de 7 perguntas, a ser publicada em no máximo 1 página de uma revista que há anos deixou de prezar o aprofundamento de qualquer questão, mas espero que o leitor Marcos Castro não esteja se referindo a obras como "Quem mexeu no meu queijo", "O monge e o executivo" e outros petardos da "iguinorânssia" quando menciona "pensamentos do mundo corporativo". O que será que ele quis dizer com isso ?

Interessante mesmo é o argumento do leitor para rebater as afirmações do entrevistado: nenhum. Basta dizer que não concorda, e que o entrevistado "contradiz (...) os mais modernos pensamentos do mundo corporativo". Ora, que o entrevistado faz isso eu soube na hora que li a entrevista !

Precisava dizer ? Aliás, se ele apenas dissesse, na entrevista, que concorda com todas as bobagens que são publicadas sobre este assunto, não haveria rigorosamente nenhuma razão para entrevistá-lo......