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13 de setembro de 2012
A vitória do capitalismo
Graças ao vídeo que mostra a Presidanta falsificando um discurso de 7 de setembro (post anterior), acabei lendo alguns comentários sobre a questão da privatização feita pelo FHC no fim da década de 1990.
Junto com as bobagens de sempre (menção ao livretinho vagabundo "A Privataria Tucana" é uma das bobagens recorrentes, o que é compreensível inclusive pela alarmente quantidade de analfabetos funcionais que temos no Brasil), especialmente em momentos de crise, vejo gente pregando o socialismo como "solução".
Se essa gente pelo menos soubesse o que é o socialismo, OK. Mas 90% nem faz idéia!
Assustador.
De qualquer forma, reproduzo esta matéria da Ilustríssima de 02/09/2012, tratando de um livro que parece ser muito interessante:
A vitória do capitalismo
Para jornalista, "nenhum outro arranjo social produziu ganhos tão sustentáveis"
DIOGO BERCITO
A lista de piores livros já escritos, para a jornalista americana Sylvia Nasar, autora do best-seller "Uma Mente Brilhante", inclui "O Capital", de Karl Marx, ao lado de "Minha Luta", de Adolf Hitler.
A falta de carinho em relação ao teórico do marxismo resultou do susto que Nasar, com formação em literatura e economia, tomou ao se aprofundar em sua obra. "Venho de um ambiente acadêmico marxista, então fiquei chocada quando percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros", diz à Folha, em entrevista por telefone, de Nova York.
Nos últimos anos, Nasar organizou quase dois séculos de historia do pensamento econômico na obra *"A Imaginação Econômica" [trad. Carlos Eugenio Marcondes de Moura, Companhia das Letras, 584 págs., R$ 54,50]*, que chega agora ao Brasil.
O trabalho foi tão extenuante que ela prometeu a si mesma nunca mais escrever outro livro. Os questionamentos sobre Marx, no fim das contas, acabaram se tornando o elemento divertido da pesquisa. "Karl Marx e Friedrich Engels são grandes personagens, cheios de contradições", ela diz.
Contraditórios ou não, ambos foram, para Nasar, "fios constantes" na narrativa econômica nos dois últimos séculos -parte da mesma tradição que levou às manifestações do estilo "Ocupe Wall Street", que tomaram as ruas no ano passado para protestar contra o capitalismo.
Mas a acumulação de capital é um dos heróis de "A Imaginação Econômica". A autora afirma que "nunca houve outro arranjo social que tenha produzido ganhos tão sustentáveis". Essa é a "grande busca" a respeito da qual o título, em inglês, se referia ("Grand Pursuit"). Em português, sumiu a ideia de uma epopeia rumo a um mundo melhor.
Na entrevista a seguir, Nasar fala sobre o resgate de personagens esquecidos pela historiografia econômica, como Alfred Marshall e Beatrice Potter -e sobre aqueles que, acredita, deveriam ser menos lembrados.
Folha - Uma das ideias por trás de "A Imaginação Econômica" é a de que o capitalismo melhorou o padrão de vida no mundo. Mas temos visto protestos de quem pensa o contrário, como o movimento "Ocupe Wall Street".
Sylvia Nasar - Não há nada de novo nessas manifestações. Esse tipo de protesto começou ao mesmo tempo em que ocorreu a revolução nos meios de vida, no século 19. Essas críticas, como as encarnadas por Engels e Marx, foram fios constantes nessa narrativa. Isso é paradoxal. Nunca houve um arranjo social e um conjunto de instituições e de práticas que tenham produzido ganhos tão sustentáveis. Isso não apenas no que diz respeito a consumo material -hoje, a maior parte das pessoas pode fazer escolhas.
Por que então o capitalismo é visto por alguns como um mal?
Toda recessão, não importa se severa ou branda, produz questionamentos sobre se estamos realmente fazendo o melhor que podemos. Isso não é ruim. Um dos temas de "A Imaginação Econômica" é que os gênios da economia sempre pensaram que nós poderíamos fazer melhor.
Mas não acho que esses protestos sejam comparáveis às demonstrações de fúria que foram vistas durante a Grande Depressão, nos anos 30. Hoje, há uma rede de proteção muito maior. Muitos países podem proteger a população.
É o caso do Brasil?
Sim. A grande motivação de John Maynard Keynes e Irving Fisher para advogar pela intervenção estatal como modo de limitar a recessão -opondo-se à ideia de Friedrich Hayek e Joseph Schumpeter de deixar a natureza seguir seu curso- era evitar os riscos políticos.
Não é que eles pensassem que a economia não se recuperaria sozinha, mas que as pessoas iriam buscar soluções que tornariam os desastres piores. Na América Latina, o maior risco político sempre foi o populismo. Na Europa Ocidental e na Ásia, o comunismo.
A sra. diria que o socialismo perdeu a batalha como alternativa ideológica?
O que está falido é a ideia de que um sistema controlado pelo governo poderá produzir uma performance econômica superior, uma performance social superior.
Essa grandiosidade, a não ser para um número pequeno de pessoas, está morta por ora. A ideia de que há um modelo único que será seguido por todos para atingir sucesso econômico não é comprovada por evidência empírica.
Mas, se você está falando sobre socialismo como aquele do Estado de bem-estar social, acho que ele está aqui para ficar.
Recentemente você citou "O Capital", de Marx, como um dos piores livros já escritos.
Eu me diverti enquanto escrevia sobre marxismo. Marx era realmente esperto. Mas, infelizmente, ele nunca entendeu, ou quis entender, a coisa a que ele se dedicava, que era a economia inglesa.
Estudei economia depois de me formar em literatura. Estava em desvantagem. Era tão difícil, para mim, que nunca terminei meu PhD. Mas fiquei chocada quando percebi que Marx não entendeu conceitos básicos, como a ideia de juros. Os erros dele são tão elementares!
As pessoas têm suspeitado da economia como ciência, dizendo que não previu a crise.
Fazemos o melhor em termos de resolver as questões econômicas, e não há uma alternativa real ao pensamento econômico. Não é como na psicologia ou na engenharia, em que teorias competiram por território.
Você disse durante uma entrevista que, se pudesse escolher um livro para o presidente dos EUA ler, seria "A Imaginação Econômica". Em que essa leitura mudaria a política econômica americana?
Eu disse isso? [Risos] Foi realmente sagaz. Acho que, em tempos de crise, ter liderança é realmente importante.
As políticas de Franklin D. Roosevelt não fizeram nada para terminar com a Grande Depressão. As de Herbert Hoover, idem. As pessoas não sabiam o que fazer. Mas eles exalavam otimismo -não um otimismo ingênuo, de que o céu está limpo, mas a confiança de que, na economia de mercado e na democracia, há fundamento para sermos otimistas.
O que eu gostaria de ver é o presidente dos EUA, seja ele quem for, inspirar esse tipo de confiança. Será útil para as pessoas enxergarem que esse não é o fim do progresso. É um problema solucionável.
Na Europa, a impressão que se tem é de que não há solução.
Me surpreende que ainda haja quem argumente que não fazer nada é melhor do que fazer. Que equilibrar o Orçamento é prioridade máxima. Essa ideia não funcionou nos anos 1930!
As pessoas falam em uma "crise europeia", mas hoje há coisas como o seguro-desemprego. A crise não está causando o tipo de sofrimento visto na década de 30. Agora, há um grande colchão. Eles [os europeus] são tão ricos! As pessoas têm tempo de pensar no que funciona melhor. Não foi assim nos EUA.
Estive na Polônia, no outono passado. Todas as vitrines, nos shoppings, tinham como alvo o público jovem. Todas tinham descontos para estudantes. Minha filha me perguntou: "Ei, mãe, mas como estudantes conseguem comprar aqui?"
"Uma Mente Brilhante" era sobre uma pessoa. "A Imaginação Econômica", sobre uma ciência. São abordagens opostas?
Sim. Foi isso o que me deu trabalho. "Uma Mente Brilhante" foi uma tarefa de repórter. Só um jornalista conseguiria fazer. Não havia textos de referência, foram necessárias centenas de entrevistas.
Em "A Imaginação Econômica", lidei com ideias. Foi como escrever dez biografias diferentes. Organizar tantos personagens e teorias em uma história linear exigiu muito esforço. Não sou uma grande pensadora. Sou boa para os detalhes e para as conexões.
Qual seria o resultado de "A Imaginação Econômica", se você não fosse jornalista?
Nenhum economista escreveria esse livro. Eles não dedicariam o tempo deles para isso. É preciso ser um generalista. Cada pessoa, cada evento sobre os quais escrevi no livro tem uma indústria de acadêmicos por trás dele.
Acadêmicos não fazem isso, e não deveriam -mas jornalistas podem entrar em um assunto em "estado de ignorância", confiando na sua habilidade de reunir informações e contar histórias.
Nesse processo, você resgatou personagens esquecidos pelas narrativas tradicionais, como Beatrice Potter e Alfred Marshall.
E Irving Fisher. Quando entrevistei [o economista] Milton Friedman, ele me disse voluntariamente que o maior economista americano do último século foi Fisher. Mas ninguém fora do meio econômico sabe quem ele é. Ele desapareceu do conhecimento popular.
É como Alfred Marshall, que todos tratam como um vitoriano fora da realidade, mas que era muito mais consciente sobre a situação inglesa do que Marx.
Acho isso engraçado. Como é que Marx, o cara que estava errado, terminou como um santo e Marshall, o cara que era realmente uma força criativa, teve suas contribuições minimizadas?
Você esteve ocupada com grandes projetos nos últimos 15 anos. Qual é o impacto na sua vida?
No final de "A Imaginação Econômica", disse aos meus filhos -se eu disser que vou escrever um livro de novo, por favor peguem uma arma e atirem em mim.
Quando você está fazendo uma reportagem, pode entregar o texto ao editor e aproveitar o fim de semana. Quando escreve um livro, está sempre se sentindo culpado. Ou está trabalhando, ou está evitando trabalhar.
Mas foi bom que eu tenha demorado tanto para escrever esse livro. A única época em que as pessoas se interessam por economia é durante recessões.
13 de julho de 2009
Mais teoria dos jogos, música cafona dos 80
Além disso, devo registrar que é ÓTIMO estar em férias, para poder colocar a leitura em dia.
Está sendo muito útil na preparação do projeto do doutorado....(que, conforme decidi no sábado, vai incluir, sim, teoria dos jogos e inovação tecnológica).
E, paralelamente, está sendo ótimo redescobrir alguns discos velhos - inclusive de músicas bregas, cafonas e piegas até o talo, como isso aqui:
11 de outubro de 2008
Teoria dos Jogos: descomplicando
É um texto bastante explicativo, a despeito de longo. Mas vale a pena.
O Dilema do Prisioneiro
A Teoria do Jogos
Você e seu cúmplice foram arrastados até a delegacia de polícia e colocados em celas separadas. O promotor diz a você que a polícia possui evidência suficiente para mandá-los para trás das grades por um ano, mas não o bastante para uma condenação mais pesada. Porém, se você confessar e concordar em depor contra seu cúmplice, você ficará livre por ter colaborado, e ele irá para a cadeia por três anos. Já se ambos confessarem o crime, os tiras não precisarão de sua cooperação e cada um sofrerá uma pena de dois anos. Você é levado a acreditar que a mesma proposta está sendo feita ao seu parceiro. O que você faz?
Esta é uma versão simples do "dilema do prisioneiro", um problema famoso na teoria do jogo, a matemática da decisão. (Existem outros dilemas na teoria do jogo, como o "dilema da galinha").
Talvez você não tenha sido preso nos últimos tempos e esteja se perguntando por que deveria se preocupar com isso. Na verdade, não é preciso procurar muito longe para achar outros dilemas do prisioneiro na vida diária. Se tiver chance, você fura uma fila?
Qual é sua reação àquelas insistentes campanhas de doação de sangue veiculadas em rádio e televisão?
Você lida com os seus problemas no escritório através da omissão ou da responsabilidade?
Em cada caso, você se defronta com um problema similar ao do prisioneiro: você realmente se sai melhor ao optar pelo comportamento egoísta?
O dilema é que a escolha não pode ser feita no terreno puramente racional. Para ver o porquê, vamos retornar ao nosso cenário inicial. Olhando por um lado, você se sai melhor confessando mas, por outro lado, você se sai melhor ficando quieto. Aqui estão as possibilidades organizadas em ordem:
| Parceiro fica calado | Parceiro confessa |
Você fica calado | 1 ano para você | 3 anos para você |
| 1 ano para parceiro | 0 anos para parceiro |
Você confessa | 0 anos para você | 2 anos para você |
| 3 anos para parceiro | 2 anos para parceiro |
Obviamente, para você, o melhor resultado possível é você confessar e seu parceiro ficar calado. (Na linguagem da teoria do jogo, salvar sua própria pele, sem se importar com mais nada, é chamado "defecção".) E até mesmo se seu parceiro confessar, você ainda lucra por defectar, já que, se permanecer em silêncio, você pegará três anos de cadeia, enquanto que confessando você só vai pegar dois.
Em outras palavras, seja qual for a opção do seu parceiro (e você não tem jeito de saber a decisão dele), você se sai melhor defectando.
Porém, se seu parceiro for tão esperto quanto você, ele vai chegar à mesma conclusão: a escolha racional é confessar. Essa lógica vai, dessa forma, proporcionar a ambos dois anos na cadeia. Será que isso é realmente "racional" quando, se ambos ficassem calados ("cooperação"), cada um poderia pegar apenas um ano? No geral, a cooperação mútua é o melhor, já que a quantidade total de tempo que ambos pegariam seria de dois anos em vez de três.
Então, você deve cooperar, certo? Bem, suponhamos que o seu parceiro não chegue a essa conclusão, ou que ele chegue, mas decida se aproveitar de sua confiança, defectando. Neste caso, você terá que encarar o pior resultado possível: três anos vendo o sol nascer quadrado. O que vai ser: você confia nele ou não? O que é mais racional, cooperação ou defecção?
Esse problema e outros similares são provenientes da teoria do jogo, uma invenção do matemático John von Neumann (1903-1957). Von Neumann, um prodigioso húngaro que se estabeleceu nos EUA, ajudou a desenvolver a bomba-A e, entre outras realizações, inventou o computador digital. Ele também amava os jogos de estratégia, especialmente pôquer e xadrez, e lá pelos anos de 1920 e 1930, desenvolveu uma teoria matemática para descrever suas estruturas. Von Neumann fez isso, de certo modo, para melhor entender os jogos, mas principalmente porque acreditava que a teoria do jogo poderia prover uma base científica para o estudo de situações similares em outros campos. Ele cunhou o termo "teoria do jogo" em The Theory of Games and Economic Behavior (1944, com Oskar Morgenstern). O comportamento econômico é um "jogo", no sentido mais amplo dado por Neumann: uma situação definida por interesses competitivos, em que cada um procura maximizar seus ganhos.
A teoria do jogo foi um fracasso para os economistas, mas terminou sendo útil para outras áreas. Depois da Segunda Guerra, Neumann foi contratado pela Rand Corporation, onde aplicou a teoria do jogo mais produtivamente na estratégia da Guerra Fria. Recue no tempo até os anos cinqüenta e imagine-se tendo que decidir se os Estados Unidos deveriam construir um arsenal de bombas-H. Vamos supor que a União Soviética, o "inimigo", seja perfeitamente capaz de fazer o mesmo. Suas possíveis escolhas são duas: construir o arsenal ou não construir. Existem quatro resultados possíveis:
- 1. Nem os EUA nem a URSS constroem um arsenal — o status quo é preservado.
· 2. Os USA constroem um arsenal mas a URSS, não — os EUA ficam em posição de potencialmente destruir a União Soviética e dominar o mundo.
· 3. A URSS constrói um arsenal mas os EUA, não — os soviéticos ficam em posição de potencialmente destruir os USA e dominar o mundo.
· 4. USA e URSS constroem arsenais — uma corrida armamentista, nenhum lado domina, muito dinheiro é gasto e o mundo inteiro agora encara a possibilidade de uma devastadora guerra nuclear.
Se você analisar esse "jogo", vai constatar que é um tipo de dilema do prisioneiro. Não importa o que a URSS faça, a melhor vantagem para os EUA é construir bombas. (Se ela não o fizer, os EUA se tornarão o poder mundial supremo; se ela o fizer, os EUA, pelo menos, ficam empatados com ela.) Mas, se os soviéticos chegarem à mesma conclusão, ambos irão gastar toneladas de dinheiro só para manter o equilíbrio de poder, enquanto acumulam estoques de matéria-prima radioativa. O resultado ideal seria a "cooperação": cada lado se refrear (possibilidade I). Mas você confia no outro lado? No final, nenhum dos dois confiou.
Embora von Neumann tenha iniciado a teoria do jogo na Rand, não foi ele quem descobriu o dilema do prisioneiro nem foi ele quem estudou suas implicações. Von Neumann concentrou-se quase que exclusivamente no que chamou de "jogos de tudo-ou-nada". Nestes jogos, o total da remuneração é fixo, e o que um adversário ganha é necessariamente o que o outro perde. A maioria dos jogos de mesa, por exemplo, são tudo-ou-nada: se o seu adversário vence, você perde. O pôquer também é um tudo-ou-nada: o vencedor leva tudo.
Um dos colegas de Neumann na Rand, John Nash, (John Nash , biografia de Sylvia Nasar em 1998 e filme “ Uma mente brilhante” com Russel Crowe, no papel de John Nash, vencedor do Oscar de 2001) ampliou a teoria do jogo para abranger os jogos entre duas pessoas que não são tudo-ou-nada. Sua teoria era que, em tais jogos, existe sempre um "ponto de equilíbrio": uma vez que seu adversário não vai mudar de estratégia, você também não muda. Tomemos esse jogo como um exemplo:
| K escolhe cara | K escolhe coroa |
Você escolhe cara | você ganha $ 1 | você perde $ 1 |
| K ganha $ 3 | K ganha $ 4 |
Você escolhe coroa | você ganha $ 2 | você ganha $ 1 |
| K não ganha nada | K ganha $ 2 |
Neste jogo, o "ponto de equilíbrio" está na jogada coroa/coroa (bloco inferior direito). Isto acontece porque, a despeito do que K faça, é sempre vantajoso para você escolher coroa, e o mesmo vale para K. E mesmo se K tivesse tido a chance de mudar sua estratégia, você ainda assim escolheria coroa, e vice-versa.
O que Nash não percebeu a princípio, ou só veio a aceitar depois, é que o simples fato de existir um ponto de equilíbrio não quer dizer que, nos jogos da vida real, as pessoas vão escolhê-lo. É o que acontece especialmente nos casos de jogos "reiterativos"— jogos entre dois ou mais jogadores, que são repetidos vezes e vezes, com as mesmas estratégias e a mesma remuneração.
Vamos analisar de novo o dilema do prisioneiro, que foi basicamente descoberto por dois outros cientistas de RAND, Merrill Flood e Melvin Dresher, em 1950. (Eles descobriram a forma do jogo; depois, foram introduzidos os prisioneiros e o dilema foi batizado, no final daquele ano, por Albert Tucker.)
O ponto de equilíbrio é a defecção mútua: dado que seu parceiro/adversário escolheu a estratégia, e que ela não pode ser mudada, você está sempre em melhor situação se defectar.
Porém, vamos supor que você e seu oponente joguem um jogo do tipo do dilema do prisioneiro centenas de vezes seguidas.
Digamos que os ganhos sejam os seguintes:
| K coopera | K defecta |
Você coopera | $ 2 para você | $ 0 para você |
| $ 3 para K | $ 4 para K |
Você defecta | $ 3 para você | $ 1 para você |
| $ 1 para K | $ 2 para K |
Não importa o que K faça, você se sairá sempre melhor defectando — você sempre ganhará um dólar a mais. O mesmo vale para K: não importa o que você faça, ele sempre ganhará um dólar a mais defectando.
Porém, a cooperação mútua é melhor para ambos do que a defecção mútua; o pior cenário para você é cooperar enquanto K defecta.
Se esse jogo fosse de somente uma rodada, e você e K não pudessem ter estratégias de antemão, então a coisa a fazer seria defectar, já que você não conhece a estratégia de K e não pode mudá-la. Mas em um jogo repetitivo, as coisas são bem diferentes.
Digamos que K decida cooperar, esperando que você também o faça, garantindo o melhor resultado mútuo. Você, por outro lado, segue a lógica do jogo de uma só rodada e defecta. Você ganha uma bolada ($3), enquanto K recebe sua menor soma possível ($1) e, assim sendo, na próxima vez K decide "puni-lo", defectando por sua vez. Ao defectar, K está basicamente tirando de você os dois dólares — duas vezes o lucro extra que você ganhou ao defectar a primeira vez.
Portanto, embora defectar seja seguro, você poderia potencialmente ganhar muito mais dinheiro se você e K cooperassem. É claro que, se K cooperasse a cada rodada em que você decidisse defectar, você terminaria com um ganho máximo de $300. Mas se K for racional, ele reagirá defectando também toda vez que você defectar, ganhando $100 a mais do que ganharia se cooperasse em cada jogada. Qual é, então, a melhor estratégia?
A teoria do jogo, graças à ajuda de modelos feitos por computadores, tem a resposta: é o chamado "olho por olho". Você começa cooperando. Se K também cooperar, você coopera novamente na segunda rodada. E continua a cooperar até o ponto em que K defecta, e nesse ponto você o "castiga" defectando na rodada seguinte. A razão pela qual essa estratégia funciona é que você está usando o jogo para mandar uma mensagem a K: "Eu vou fazer sempre o que você fez na última rodada; e como você nunca vai se beneficiar de minha defecção, você deve sempre cooperar comigo, garantindo o melhor resultado para ambos". Em outras palavras, você está convidando-a para se unir a você e ambos jogarem contra o próprio jogo, em vez de cada um jogar contra o outro.
Na vida real, "olho por olho" significar tratar as outras pessoas da mesma maneira que elas tratam você, mas sempre agindo da melhor maneira no início. Furar uma fila pode ser ótimo para você, mas é ruim para todos os outros e, se eles respondessem na mesma moeda, seria o caos, com socos saindo de todos os lados.
Da mesma forma, todo mundo se beneficia quando você faz uma doação de sangue. Você pode até vir a usufruir desse benefício sem nunca ter doado, mas, se todo mundo agisse dessa forma, não haveria um banco de sangue. Claro, não adiantaria cooperar se ninguém mais o fizesse; mas, como todo mundo percebe isso, e ninguém gosta do caos, a maioria das pessoas coopera de fato.
Existe um outro dilema da teoria do jogo que também encontramos na prática. Ele é chamado de "galinha", nome cunhado por Bertrand Russell, acredite você, ou não. É o seguinte: você e um amigo montam em suas bicicletas e pedalam até às bordas de um despenhadeiro.
O primeiro a parar ou a mudar de rumo é a "galinha". Se ambos pararem ("cooperarem") simultaneamente, então ninguém é a "galinha", mas também ninguém vence.
O melhor resultado para você será se seu amigo parar primeiro: você vai vencer e ele vai ser a "galinha". O pior resultado para ambos é se nem ele nem você pararem — isto é, se os dois "defectarem": ambos cairão no precipício. O que você faz? (Este jogo difere do dilema do prisioneiro no fato de que a mútua defecção é o pior para ambas as partes.)
Como você deve ter notado, a teoria do jogo — embora matematicamente rigorosa — ainda não resolveu todos os conflitos humanos.
Em primeiro lugar, para a teoria funcionar, tem que estar claro quem são todos os jogadores, e o rateio deve poder ser expresso em números (ou, pelo menos, em probabilidades). Esse não é sempre o caso nos jogos complicados da política ou da sociedade.
Segundo, definir o que constitui "cooperação" ou "defecção" pode ser bastante complicado — existem muitos casos intermediários na vida real, e os adversários tendem a não concordar com os termos (o que parece bom para um pode não satisfazer o outro).
Apesar de tudo, sempre é melhor ter ferramentas do que não ter, e a teoria do jogo é uma ferramenta notável e interessante, com aplicações reais na física, na ética, na engenharia e até mesmo na biologia. A evolução das espécies, por exemplo, pode ser entendida em termos de teoria do jogo, mas essa é uma outra e longa estória.
25 de junho de 2008
Teoria complexas, explicações simples
Carro usado, o taxista e a crise
20/06/2008
Lembro-me de minha animação de menino quando meu pai anunciava que ia trocar de carro. O processo de compra de outro carro era para mim empolgante em si: ir às feiras de carros usados, entrar em vários modelos, dar palpite ao meu pai, acompanhá-lo nos testes de direção, etc. Hoje, mais interessante para mim é a semelhança entre os empecilhos ao funcionamento do mercado de automóveis usados e as causas da crise financeira nos Estados Unidos. Ambos tem a ver com o que os economistas chamam de problemas de assimetria de informação.
O problema com o funcionamento do mercado de carros usados não é a qualidade dos carros em si, mas sim o fato de o dono conhecê-la bem melhor do que os potenciais compradores. Dentro do contingente de carros usados existem aqueles bem conservados e outros em mau estado, a depender do cuidado prévio do dono, entre outras coisas. No entanto, é muito difícil para o comprador separar o joio do trigo. Seu pior pesadelo é descobrir apenas três meses mais tarde que o automóvel adquirido estava com a caixa de marchas comprometida!
Mesmo não sabendo separar gato de lebre, o fato de o comprador saber que existem carros bons e carros ruins influencia o montante que ele está disposto a desembolsar na feira de carros usados. Exemplificando com números: se um carro bom para ele vale até R$ 20 mil e um ruim no máximo R$ 5 mil, e há 50% de chance de o carro ser bom, ele não pagará mais do que R$ 12.500 (R$ 20.000 x 0,5 + R$ 5.000 x 0,5) para trocar de automóvel. Infelizmente, a R$ 12.500 um vendedor que tem um carro bom em mãos (e sabe disso) muito provavelmente não vai querer fechar negócio. Assim, na feira sobram apenas os carros ruins.
De sua parte, os compradores entendem perfeitamente essa lógica e, portanto, ou vão embora (os que fazem questão de comprar um carro bom), ou desembolsam R$ 5 mil por um carro que eles sabem ser ruim. Resumo da ópera: não é possível comprar e vender carros bons na feira de carros usados!
O problema informacional caracterizado no exemplo precedente recebe o nome de seleção adversa. Ele ocorre quando antes de a transação ser concretizada, uma das partes possui mais informação do que a outra.
Vejamos outro caso interessante de seleção adversa. Em Nova York o táxi é um meio de transporte muito utilizado. Em Nova York há negros e brancos. Em Nova York, por diversas razões históricas, alguns taxistas nutrem algum grau de preconceito contra os negros. O que é incrível é que, por causa do preconceito inicial de alguns taxistas, mesmo se o porcentual de negros assaltantes na população de NY for igual ao de brancos assaltantes, haverá desproporcionalmente mais negros assaltantes em busca de táxis. Isso, por sua vez, explica por que mesmo um motorista não intrinsecamente racista optará racionalmente por não pegar clientes negros. Vejamos por quê.
O problema é similar ao dos carros usados: o motorista não sabe distinguir ladrão de trabalhador de dentro do carro - antes de a transação ocorrer, quem espera o táxi sabe mais sobre si mesmo do que o taxista. Mas, se a proporção de assaltantes for idêntica dentro dos dois grupos étnicos, o motorista não racista não tem motivos para evitar clientes negros, certo? Errado. Se há um grupo de taxistas preconceituosos, os negros em média esperam mais tempo para conseguir um táxi. Para os negros trabalhadores, isso significa um custo de tempo relevante, levando-os a optar pelo metrô. Resulta que o preconceito inicial que acarreta um custo de espera para o negro trabalhador altera a proporção "negros assaltantes/negros trabalhadores" à espera de um táxi (acontece uma seleção adversa), elevando-a comparativamente à do grupo de brancos. Conseqüentemente, haverá mesmo mais negros assaltantes demandando táxis e em vista disso um taxista não racista racionalmente evitará clientes negros.
No exemplo dos carros usados, a assimetria informacional entre comprador e devedor faz que os carros bons sejam expulsos do mercado pelos ruins. No dos taxistas, assimetria informacional combinada com alguma dose de preconceito inicial faz que os negros trabalhadores sejam substituídos pelos negros assaltantes na fila do táxi.
Outro tipo de assimetria informacional muito estudada pelos economistas - chamada de perigo moral - é aquela que se dá não antes, mas depois de a transação ser efetuada. Concretamente, ela é grave quando uma das partes não consegue monitorar facilmente as ações da outra uma vez celebrado o acordo ou negócio e essas ações afetam de modo significativo o ganho da parte menos informada. O exemplo mais tradicional de perigo moral diz respeito aos contratos de seguro. Depois de assinado o contrato de seguro de um automóvel, os incentivos do dono do carro para dirigir mais prudentemente ou para estacionar no estacionamento fechado, em vez de na rua, diminuem.
Essa mudança de comportamento afeta adversamente o lucro da seguradora, mas é difícil evitá-la, dado que para a seguradora é impossível monitorar de perto o modo de dirigir do segurado e cobrar de acordo com isso (esta é assimetria informacional em questão). Agora o leitor já sabe o motivo da existência da franquia: reduzir os incentivos à displicência do segurado depois de feito o seguro.
Conhecendo os conceitos de seleção adversa e perigo moral, podemos enfim entender a anatomia da crise do subprime, que tem causado muita preocupação nos mercados mundiais. Depois da breve recessão de 2001-2002, o Banco Central dos EUA manteve a taxa de juro em níveis muito baixos por muito tempo visando a restabelecer um crescimento maior e fugir da deflação.
Nesse cenário, muitas instituições financeiras, tendo acesso a recursos a taxas mais baixas - e enfrentando dificuldades de prover taxas de retorno mais gordas a seus depositantes -, optaram por estender empréstimos imobiliários a grupos que antes não tinham acesso a esses créditos. Em conseqüência, piorou a qualidade média da carteira de empréstimos (seleção adversa). Semelhantemente ao caso dos carros usados e dos negros esperando táxi, quando algumas instituições financeiras relaxaram seus padrões de concessão de empréstimos, a qualidade média do devedor piorou. Aí, quando os juros voltaram a subir, uma parte desses tomadores com menor fôlego financeiro não conseguiu honrar suas prestações. A taxa de inadimplência cresceu fortemente - principalmente entre os que se haviam endividado a taxas variáveis - e deu no que deu.
Complicando mais a situação dos bancos, os preços dos imóveis começaram a cair, em parte por causa da alta do juro. Como os imóveis são a garantia dos bancos caso os empréstimos não sejam honrados, a situação se deteriorou mais ainda, dado que não apenas os que não conseguiram repagar entregaram às instituições financeiras garantias (imóveis) com baixo valor de mercado como alguns devedores optaram por estrategicamente inadimplir: melhor entregar um imóvel que vale pouco do que pagar uma dívida mais "salgada" depois da alta do juro.
Isso tudo nos remete à seguinte questão: por que algumas instituições financeiras aumentaram tanto sua exposição em empréstimos para grupos com menor capacidade de repagamento? Em parte pelo dito algumas linhas acima (menor custo de captação), em parte porque o dinheiro que elas emprestam é de terceiros, o que aumenta sua propensão a arriscar.
Nasce justamente aí a justificativa para a regulação bancária e não é à toa que depois da crise do subprime foi retomado o debate sobre a adequação das atuais regras da Basiléia. Mas por que a necessidade de regulamentação pública? Por que os depositantes não monitoram eles mesmos as ações das instituições financeiras? Em parte porque eles não têm as mesmas informações que elas e é custoso adquiri-las e em parte porque o sentimento de que as autoridades governamentais não deixarão as instituições financeiras quebrar caso uma crise ocorra (e há bons motivos para isso, dado o custo enorme das crises bancárias) diminui seus incentivos para monitorar de perto a qualidade dos empréstimos.
No arranjo ideal, o governo garantiria ao depositante que este recuperaria seu dinheiro no caso de uma crise bancária (esse tipo de seguro ajuda muito a impedir que esse tipo de crise ocorra) com a condição de que ele monitorasse de perto as ações da instituição financeira que administra sua poupança. Contudo, similarmente ao segurador de carros, o governo não tem como saber se os depositantes estão ou não vigiando as ações da instituição depois da efetivação do seguro-depósito. Por causa disso, o controle dos indivíduos sobre as instituições financeiras será necessariamente precário se houver alguma expectativa de socorro com dinheiro público caso o pior se materialize.
É por isso que se faz necessária a regulamentação pública no setor financeiro. De fato, a ausência de regulamentação no caso dos Fundos Imobiliários americanos é recorrentemente apontada como fator importante na explicação da crise.
Concluindo, as questões de assimetria informacional estão presentes em diversos contextos socioeconômicos. É no mínimo curioso que o "racismo" de não racistas, as dificuldades nos mercados de carros usados e a crise do subprime tenham tanto em comum.
12 de maio de 2008
Teoria dos jogos - mais um pouco
O assunto é fascinante, e merece maior discussão no Brasil.
Portanto, faço minha humilde contribuição, sugerindo alguns links: aqui, aqui, aqui e aqui.
Outros textos também muito interessantes estão aqui e aqui.
Sobre John Nash, em especial, e o conceito de "Equilíbrio de Nash", recomendo estas leituras aqui e aqui. Agora, para ter o prazer de ler a tese de Doutoramento ORIGINAL do (brilhante) John Nash, basta fazer o download deste arquivo aqui.
Um texto muito interessante também eu já publiquei aqui no blog. Longo, mas simples e claro.
6 de abril de 2008
Conta de bar e teoria dos jogos
Carlos Eduardo Soares Gonçalves
Valor Econômico, 20/03/2008
Nos tempos de faculdade, as idas aos bares e restaurantes com grupos de amigos eram eventos de grande descontração, nos quais, entre outros assuntos, sonhávamos com o sucesso profissional que teríamos após acabar os estudos. O futuro parecia promissor: dinheiro não seria mais o problema, imaginávamos, e contar chopes não seria mais humilhantemente necessário. Mas, não raro, ameaçando o entusiasmo e o clima relaxado, se encontrava o espectro de uma gorda conta final a ser repartida entre todos no fim da noite.
Muitas décadas antes dessas incursões noturnas, matemáticos como John Von Neumann e o célebre John Nash, em vez de freqüentar bares com seus colegas de universidade, estavam mais ocupados desenvolvendo uma nova área da economia denominada Teoria dos Jogos. Um dos conceitos importantes dessa vertente da economia moderna é a noção de estratégia dominante. Ela nos ajuda a explicar o inchaço da conta do bar quando é dividida entre todos na mesma proporção, além das ameaças aos recursos naturais e a crise financeira na Argentina em 2001.
Na Teoria dos Jogos, é usual postular que, quando os ganhos e perdas dos indivíduos, em qualquer situação em que haja interação com outras pessoas, dependem tanto das suas ações como das ações daquelas, cada um tomará o curso de ação que lhe gerar maiores ganhos líquidos (no sentido amplo, e não necessariamente financeiro, da palavra) baseando-se na hipótese de que todos os outros assim também procederão. Parece simples, mas a idéia de levar em conta ação alheia na hora de escolher a sua ainda não tinha fincado pé na teoria econômica de modo sistemático.
Simplificando, no bar com os colegas há dois cursos de ação: cada um pode escolher o prato mais barato e pedir água como acompanhamento, ou pede comida cara e bebe cerveja importada. Quando um indivíduo decide pela primeira opção, ele economiza para todos, que pagarão uma conta menor no fim da noite. Mas o problema é que, assim fazendo, ele pagará por essa economia sozinho caso os outros optem pela segunda opção, a mais cara. Percebendo que ficará com os custos, mas muito provavelmente não se apropriará dos benefícios de tal decisão, ele termina optando pelo menu mais "salgado".
Pedir o menu mais caro é a estratégia dominante na mesa do bar, pois, dadas as expectativas de cada um sobre o que os outros vão fazer, pedir o menu mais simples diminui apenas marginalmente o tamanho da conta. Como ela será dividida em parcelas iguais para todos, a economia que volta a quem pede água é apenas uma fração de quanto seu menu é mais barato que os dos outros. Se minha expectativa é de que outros vão pedir o prato mais caro, pedir o mais barato ajuda muito pouco a diminuir quanto desembolsarei no fim da noite. E, se minhas expectativas são de que os outros escolherão o prato mais barato, posso tranqüilamente escolher o mais caro, pois o fardo financeiro de tal decisão será dividido com meus pares. Assim, a melhor escolha para mim é sempre pedir o mais caro. Todos raciocinando de modo similar, o resultado é uma conta assustadoramente elevada.
A divulgação de que o desmatamento na Amazônia voltou a crescer recentemente provocou grande bafafá na mídia, protestos dos ambientalistas e desmentidos de algumas áreas do governo. Freqüentemente, recursos naturais são explorados de modo predatório pela mesma razão que produz a conta elevada no bar. Fala-se que quem explora uma floresta ou outro recurso natural qualquer não se preocupa em preservá-lo para uso futuro. Condena-se a ambição dos exploradores, que supostamente leva ao fim da floresta. Mas essa é uma caracterização imprecisa do problema. Ambição não é algo inerente apenas a quem corta madeira na floresta pública.
A exploração excessiva das florestas é mais um exemplo de estratégia dominante. O explorador abusa da derrubada de árvores porque não tem incentivo nenhum para "poupar" a floresta para o futuro. De novo, ele escolhe seu curso de ação com base no que espera que os outros exploradores farão. Cortar menos árvores tem a vantagem de preservar a floresta para exploração futura, mas se eu economizo e os outros não o fazem, a floresta se deprecia do mesmo modo e nada ganho com minha escolha. Se o explorador espera que os outros não economizarão árvores na derrubada, a melhor coisa é derrubar o máximo possível, pois amanhã não haverá mais floresta. Se a expectativa é de que os outros cortarão poucas árvores, ele tampouco terá incentivos para imitá-los, visto que, se os outros preferem a preservação, seu corte excessivo de árvores não trará por si só o fim acelerado da floresta.
A única estratégia dominante nesse jogo interativo, no qual a floresta é de todos e, portanto, de ninguém, é explorar em demasia a floresta. A bem da verdade, o problema é ainda mais grave, pois a decisão individual de derrubar árvores e promover queimadas afeta outras pessoas via maior poluição do ar e erosão do solo. Esse tipo de "externalidade negativa" - como gostam de dizer os economistas - é tema para crônica futura.
No começo deste século, nossos "hermanos" da Argentina passaram por grave crise econômica. Entre outros fatores, a imprudência fiscal das províncias estava na raiz dos problemas macroeconômicos daquele país. Por que as províncias gastavam demais? A explicação é similar à apresentada nos dois casos anteriores.
As províncias gastavam e recorriam ao governo federal para cobrir seus rombos. Uma atitude mais austera por parte de uma dada província geraria uma economia para o governo federal. Mas o "sacrifício" em termos de menos gastos seria então apropriado pelas outras províncias gastadoras que não procedessem assim. Mais ainda, a economia individual de uma província não salvaria o governo central da crise financeira - que é ruim para todas. E, se as outras fossem austeras, gastar mais à custa do governo federal não aumentaria muito a probabilidade de catapultar uma crise, graças à economia feita por aquelas.
Diga-se que sempre há os que eticamente não pedem os pratos mais caros, são prudentes no corte de madeira movidos pelo respeito à natureza e não têm a desfaçatez de passar seus pepinos para outras instâncias de governo. Infelizmente, algumas andorinhas não fazem verão.
Como, então, evitar contas desnecessariamente altas nos bares, o desmatamento excessivo e as crises econômicas causadas por gastança desmedida de unidades de governo subnacionais? Resposta: fazendo que as ações de cada um não afetem os custos e benefícios dos outros, mas apenas os próprios. Cartões individuais nos bares e restaurantes, direitos de propriedade bem definidos nas terras ocupadas e dar às unidades federativas não somente o direito de gastar, mas também o fardo de tributar, são as soluções.
Já sabe o leitor por que as pessoas tomam banhos mais demorados em prédios do que em casas? Na próxima reunião de condomínio leve a solução econômica desse problema a seu síndico.
Carlos Eduardo Soares Gonçalves é doutor em economia, professor no departamento de economia da FEA-USP e autor, com Bernardo Guimarães, do livro "Economia sem Truques".
26 de março de 2008
Teoria dos Jogos
O que a teoria dos jogos tem a ver com sua vida e com sua empresa
por Abraham Shapiro
Exemplo 1:
Uma pequena cidade do interior tem dois postos de combustíveis: o Posto A e o Posto B. O preço pelo qual ambos oferem gasolina é R$ 2,00 o litro. A qualidade é a mesma, já que os dois compram da mesma distribuidora ao preço do litro a R$ 1,50. Suponha que consumidores buscam preço baixo. Sabendo disso, o Posto A resolve baixar o preço para R$ 1,99. O que acontece? Ele conquista 100% do mercado varejista de combustíveis local. Qual a reação esperada do Posto B? Baixar para R$ 1,98. A guerra – saboreada pelos consumidores – chega ao ponto de ambos os postos atingirem um preço próximo de R$ 1,50. Nesta valor, o lucro é igual a zero.
Exemplo 2:
Uma nota de um dólar está sendo leiloada. Quem der o maior lance leva a nota. A regra exige que o segundo colocado tem que pagar o lance, porém, nada leva em troca.
Imagine como seria. Se o vencedor ganhar com um lance de US$ 0,20, ele tem um lucro de US$ 0,80. O segundo colocado, que deu um lance de US$ 0,19, somente paga os US$ 0,19. Neste caso, a banca recebe US$ 0,39 e paga US$ 1,00. Assim, o jogo termina. Mas não é bem assim. Vejamos o que seria normal suceder. Iniciado o jogo, o primeiro participante tem a perspectiva de alto lucro – coisa que desperta a cobiça de outro participante. Rompida a barreira de US$ 0,50, a banca começa a lucrar e, a partir de US$ 1,00, o jogo fica totalmente irracional. Martin Shubik, matemático de Yale e estudioso de Teoria dos Jogos, concebeu este jogo em 1971. Ele descobriu que, em média, a nota era arrematada por US$ 3,40.
Pode-se olhar com desprezo ou até com dúvida estudos advindos da Teoria dos Jogos. Mas eles têm aplicações múltiplas e curiosas. O Leilão da Nota de Um Dólar, por exemplo, é um jogo com aplicações práticas interessantes. As emissoras de televisão, por exemplo, o utilizam para determinar o tamanho dos trechos de filmes entrecortados por propagandas. O primeiro trecho de filme exibido é geralmente maior. Assim, elas induzem o telespectador a "entrar no leilão". Uma vez dentro, os trechos de filme ficam cada vez menores e os intervalos publicitários mais longos. O truque está em saber que, neste momento, o telespectador tem grande dificuldade em desistir: ele já passou do "limite de US$ 1,00".
O mesmo raciocínio aparece nos relacionamentos humanos. Pessoas se mantêm anos a fio em empregos ruins ou casamentos falidos em função de um modelo mental baseado em "Eu investi muito para desistir agora."
Outro fato curioso aconteceu na ocasião da construção do avião Concorde. Inglaterra e França souberam, em determinado ponto da empreita, que o projeto era economicamente inviável. Contudo, mesmo assim decidiram levá-lo a cabo justamente por já terem investido demais.
Numa análise mais profunda, Leilão da Nota de Um Dólar trata das atitudes humanas de "cooperação" e "deserção".
Ocorre que, do modo como foi concebido, o Leilão da Nota de Um Dólar é um jogo único, de uma só rodada. Se os jogadores jogarem seqüências de várias partidas, a deserção tende a diminuir, até desaparecer.
Um Leilão de Nota de Um Dólar jogado várias vezes convergiria para um acordo de divisão dos lucros entre os jogadores – o primeiro daria um lance de US$ 0,01 que não seria superado pelo segundo e, desta forma, os US$ 0,99 de lucro seriam divididos entre os dois. O mesmo aconteceria entre comerciantes inteligentes ao invés de praticarem guerra de preços, como no exemplo dos postos de gasolina. Daí torna-se fácil entender porque é difícil evitar a formação de cartéis. A cooperação em jogos com muitas rodadas é um ótimo negócio. Existe uma forte tendência das pessoas construírem sua reputação cooperativa e, com isto, obterem vantagens reais com isto – vantagens financeiras ou não.
Mesmo considerando que jamais será identificada, a maior parte das pessoas tende a não "fugir da raia" ou não ser desertora. Naturalmente, o ser humano gosta de ser cooperativo. Os dois opostos negativos desta dinâmica são: "deserte sempre" e "coopere sempre". Não estranhe. "Cooperar sempre" é perigoso. O cooperador incondicional está altamente vulnerável a oportunistas. Além disso, seu desempenho tende a ser pífio por falta de algum nível de competitividade.
A Teoria dos Jogos provê um conjunto de ferramentas para a análise de problemas de decisão que um indivíduo enfrenta quando seu destino depende tanto de sua própria escolha quanto da escolha de outros.
Pessoalmente, prefiro ESTA versão do assunto..... Sem "auto-ajuda" e idiotices semelhantes.