Marketing, economia, administração, educação, política, música - enfim, um pouco de tudo.
23 de maio de 2008
Grandes economistas e algumas sentenças
Assuntos:
economia
Cabeças econômicas e suas sentenças
Por Jorge Félix, para o Valor, de São Paulo
"Os Grandes Economistas" - Jean-Claude Drouin.
Ed. Martins Fontes, 173 págs. R$ 29
Se existe disciplina desprezada na maioria das universidades, certamente é a história do pensamento econômico. No Brasil, um exército de economistas é diplomado sem jamais ter lido, por exemplo, "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", de John Maynard Keynes, tão citado hoje em dia. A leitura de "O Capital", de Karl Marx, é considerada excêntrica por outros tantos. E quem conseguiria associar o nome de Thomas Malthus ao seu "Ensaio sobre o Princípio da População", mesmo sendo ele freqüentemente lembrado em tentativas de interpretação da atual crise da inflação de alimentos?
Keynes e Malthus também são sempre mencionados como se um nada tivesse a ver com o outro. É como se o primeiro fosse o grande defensor do Estado e o segundo, o grande pessimista. Nada é tão simples assim.
É por isso que o lançamento de "Os Grandes Economistas", de Jean-Claude Drouin, representa uma contribuição importante para o esclarecimento de estudantes de economia e, sobretudo, para leigos interessados em descobrir onde o galo cantou antes de invocarem o nome de algum economista em vão. A editora Martins Fontes descobriu o livro no sempre rico catálogo da Presse Universitaire de France. O trabalho de Drouin, professor da École Supérieure Du Commerce Extérieur, em Paris, jamais transformará o leitor em um conhecedor da história do pensamento econômico e muito menos da totalidade do pensamento dos grandes teóricos. O livro pode até reforçar a critica de alguns professores universitários a compêndios simplificados de história da economia. Mas, para tudo é preciso um começo.
Durante muito tempo, esse começo foram dois clássicos. O primeiro, de Paul Samuelson, "Economia - Uma Análise Introdutória" , publicado em 1948, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos. Ao longo de sua vida, o livro mudou consideravelmente. Hoje está na 18ª edição e é uma obra ampla e muito mais detalhada em todos os aspectos do estudo da economia. Quase não lembra a primeira edição. Mas foi uma referência também em história do pensamento econômico, principalmente enquanto escrito apenas por Samuelson (a partir de 1985, William Nordhaus é co-autor). Outro clássico, publicado cinco anos depois, é "Os Filósofos Profanos", do economista e historiador Robert Heilbroner (1919-2005), de 1953.
No Brasil, o livro de Heilbroner foi publicado na série "Os economistas", da Nova Cultural, referência ainda hoje, com o título "A História do Pensamento Econômico" -atualmente, só encontrado em sebos. Mas "Os Filósofos Profanos" influenciou boa parte dos jovens americanos que decidiram estudar economia nas décadas de 1950 e 1960. E o livro de Heilbroner vendeu quase tanto como o de Samuelson e Nordhaus.
No entanto, esses livros, embora tenham sido escritos com a intenção de oferecer um resumo, para orientar um mergulho mais profundo na teoria econômica, sofreram as conseqüências da deterioração do valor do pensamento, da reflexão e do advento da matematização das ciências econômicas com a hegemonia do que alguns preferem chamar de "pensamento único". O primeiro deixou, de certa forma, de ser um livro de história do pensamento econômico. O outro tornou-se um livro "mais profundo", por mais risível que isto pareça ser -resultado da mudança no currículo da maioria dos cursos de economia no Brasil, que passaram a ensinar apenas uma geléia de teoria, nada muito consistente ou que dependa de quantidade de leitura.
É nesse espaço que ganha importância "Os Grandes Economistas". A despeito da necessidade de se lamentar o fato de os livros de história do pensamento econômico amargarem a limitação de edições de bolso, ao menos pode ser oferecida uma nesga de teoria, com a esperança de que, no futuro, esta se torne sedutora. Drouin proporciona meios para isso ao optar por um detalhamento maior, embora seja aquele permitido pelo número de páginas, da teoria propriamente dita de cada autor, com alguns gráficos e até pequenas e básicas fórmulas matemáticas . Os dois clássicos reservavam grande parte dos capítulos ao contexto histórico e à biografia dos pais da economia, sobretudo o livro de Heilbroner.
Aqui cabe um parênteses para "Os Filósofos Profanos", justificado por uma observação que ainda vale para nossos dias. Heilbroner inicia o livro com uma crítica ao ensino da história, no qual, com exceção, em alguns casos, de Karl Marx, os economistas são totalmente esquecidos e nem sequer citados. Talvez comece aí o desprezo pela teoria. "Segundo as regras dos livros de história de um colegial, esses homens nunca existiram: não comandaram exércitos, não enviaram homens para a morte, não construíram impérios e tiveram pouco a ver com os tipos de decisões que fazem a história. (...) No entanto, o que eles fizeram foi mais decisivo para a história do que muitas ações de estadistas que foram envoltos em cintilante glória", escreveu Heilbroner.
Drouin tem o mérito de atualizar seu pequeno compêndio com os mais contemporâneos. Segue a receita cronológica tradicional, começando por Adam Smith, David Ricardo, passando por Malthus, Jean-Baptiste Say, Marx, Léon Walras, Keynes, Joseph A. Schumpeter e encerrando com Milton Friedman, que morreu no ano passado. Os capítulos são extremamente didáticos e padronizados, com dois parágrafos sobre a biografia do autor, a relação das principais obras e quatro ou cinco seções com a explicação da teoria de cada um. Outro aspecto interessante da obra de Drouin é que sua capacidade de síntese lhe permite citar alguns comentaristas e pontos de debate sobre a teoria de cada economista.
Essas citações permeiam todo o livro e acabam por constituir, ao longo dos nove capítulos, um roteiro de leitura para os mais interessados. Ou, pelo menos, uma referência para minimizar a tentação de ceder a argumentos aparentemente peremptórios, mas quase sempre baseados apenas em um conhecimento superficial da chamada economia política. Outro mérito do livro de Drouin, lançado em 2006 na França, é a atualidade de seus exemplos, quase sempre mencionando e avaliando as experiências de aplicação das teorias na história econômica recente daquele país.
Essas avaliações, porém, em alguns casos levam o autor a uma conclusão um tanto tendenciosa e reclamam um outro ponto de vista, como é o caso da aplicação do keynesianismo na França em 1975, no período Jacques Chirac, e em 1981, na gestão de Pierre Mauroy. No entanto, essas análises nada comprometem o objetivo de resumir a teoria econômica. Só mostram que é mesmo muito complicado quando se pretende justificar com a teoria algo que, quase sempre, só a política ou a tonalidade ideológica são capazes de explicar.